Na era digital, os textos de Marketing e Publicidade direcionados às mídias digitais são quase sempre objeto de tradução, devendo portanto prever as adaptações impostas pelas diversidades culturais dos países aos quais se destinam.
Um novo tipo de trabalho dentro do âmbito das traduções? Entenda melhor essa nomenclatura e o escopo que a define. A mídia digital facilita muito, mas exige agilidade e consistência no desenvolvimento de conteúdos. Requinte, riqueza de detalhes, profundidade e capacidade de sintetização definem as expectativas.
A publicidade na era digital torna-se cada vez mais a alma do negócio, desafiando a imaginação, sofisticando-se e ampliando sua abrangência, bem como os altos níveis de expectativas alimentados em relação a ela.
O aumento da competitividade em meio ao cenário do mundo globalizado vem gerando grandes transformações nos conceitos aplicados à publicidade. Os esforços direcionados a contextualizar conceitos mais sutis, devem agora considerar públicos alvos das mais diversas culturas ao redor do mundo.
A palavra “transcriação” já era utilizada para referir-se, por exemplo, à tradução de poemas ou outros textos com linguagem figurada ou mais abstrata. Considera-se então que a linguagem publicitária bem elaborada se vê perante estas mesmas necessidades de dar grande importância às “sutilezas” no momento de ser submetida à tradução.
A transcriação precisa ser estabelecida como uma tarefa em que é facultada ao tradutor, uma maior liberdade na transmissão dos conceitos percebidos no texto original, priorizando a transferência de significado de forma adequada ao público alvo.
O instituto norte-americano Common Sense Advisory, a principal consultoria da indústria de serviços multilíngues em nível mundial, no final de 2012, promoveu um debate sobre o tema com grandes empresas, durante o qual concluiu-se que a maioria dos projetos da área de publicidade e marketing demanda um “mix” de tradução convencional e de transcriação. Os principais fatores que caracterizam essa atividade seriam então os objetivos, tipos de projetos, premissas, recursos necessários e, consequentemente, custo do serviço.
A crescente demanda por transcriação pede também adaptações culturais, já que quase sempre referem-se a conteúdos de textos de sites e softwares, onde utiliza-se também o termo “localização”, de forma a aproximar bastante ambos os conceitos.
Para a indústria de prestação de serviços multilíngues, a adoção do termo transcriação virá resolver vários tipos de problemas, como é o caso da definição e normatização da atividade, especialização da equipe, maior clareza entre as partes contratantes e executoras do serviço e, consequentemente, da remuneração.
A Transcriação ressalta a nobreza da tradução humana. Considerando que toda boa tradução requer um pouco de liberdade criativa para melhor interpretar a ideia transmitida pelo texto original, esta é a característica que melhor distingue a tradução humana das traduções automáticas.
Tanto a tradução técnica, como a tradução literária e a transcriação são permeadas de “subjetividades”, que exigem profundo envolvimento do tradutor. “O profissional deve ser capaz de 'sentir' intimamente o significado do texto, em ambos os idiomas trabalhados, para poder oferecer alternativas de tradução adequadas e claras, sem deixar lacunas culturais ou linguísticas. E, principalmente, não incorrer no erro de fazer uma tradução ao pé da letra”, explica a tradutora Suzana Schindler.
Tradutora de livros e revistas de conhecimentos gerais, entre elas a publicação alemã GEO, Suzana utiliza muito a transcriação em seus trabalhos. “Ainda mais quando faço traduções do alemão, que é um idioma complexo por colocar o tempo do verbo no final da frase. Isso me obriga a readaptar e reorganizar praticamente todos os parágrafos de um texto”, diz. “Além disso, uma simples tradução sempre oferece riscos, porque tende a ser “ao pé da letra” e envolve palavras que não exprimem exatamente o conteúdo / significado do original. A “transcriação“, diferentemente, permite sentir o texto original estrangeiro e readaptá-lo à gramática e ao vocabulário do idioma-alvo, no caso, o português.”
De acordo com a professora do departamento de inglês da Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes da PUC-SP, Glória Regina Loreto Sampaio, em particular na poesia, dada a íntima relação entre o sentido e a forma, a passagem para outro idioma representa uma quebra da unidade estética original. “Assim, uma tradução em moldes puramente referenciais mostrar-se-ia falha e insuficiente”, explica. “A obtenção de um efeito estético equivalente, ou pelo menos semelhante, só pode ser realizada por intermédio da recriação/transcriação.”
É por essa razão, segundo a professora, que a transcriação exige grande sensibilidade, conhecimento, repertório e capacidade técnica e artística do tradutor, que deve imprimir ao texto por ele recriado/ transcriado marcas qualitativas semelhantes àquelas do texto-fonte. “Um tradutor devidamente capacitado para o exercício de sua profissão não é destituído de criatividade, sensibilidade e técnica. Porém, quando entramos no campo da tradução literária, essas qualidades serão exigidas de maneira mais premente e acirrada.“
Além de uma alta dose de sensibilidade e de conhecimento técnico, o processo de recriação/ transcriação requer um forte grau de “feeling”, maturidade, experimentação e tempo. “A transcriação, por seu caráter predominantemente individual, peculiar, não mecânico e não reprodutível, não pode ser definida com um 'serviço' no sentido comercial da palavra”. Trata-se de uma instância de engenho e arte, como dizia o bardo lusitano.
O desenvolvimento da capacidade de transcriação é fomentado ao longo dos cursos de formação de tradutores, por meio de estudos específicos que abrangem leitura, discussão crítica e reflexão sobre ensaios e escritos de grandes tradutores e poetas, assim como por intermédio de exercícios de tradução de textos de natureza fortemente estética. “Esses exercícios são seguidos de discussões e readaptações constantes, até a obtenção de resultados minimante desejáveis. Vale ressaltar, contudo, que nem todos conseguem recriar / transcriar com sucesso”, diz Glória Sampaio. “Por sua característica, a empresa que abarcar o ramo da transcriação deve constituir uma equipe de tradutores especializados, detentores dos conhecimentos, qualidades e competência específica para a tarefa.”
“Transcriação não tem nada a ver com produção em série e com prazos pré-determinados”, assegura a professora. Em outras palavras, a transcriação exige uma profunda interação do tradutor com ambos os idiomas, uma criteriosa busca de palavras que expressem com a maior perfeição possível a ideia original ou, em alguns casos, como gírias e expressões idiomáticas, a busca de uma expressão equivalente.
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